O que é essencial agora?

O que é essencial agora?

O que é essencial agora?

Viver implica atender diferentes necessidades, todas legítimas aos olhos de quem as sente. Algumas estão ligadas ao corpo físico, outras ao contato, necessidades de relação, de afeto, outras representam nossos valores e horizontes. Para cada pessoa, o peso de cada uma delas é diferente, de acordo com sua história e suas perspectivas.

Às vezes conseguimos atender várias necessidades de uma vez só: uma ceia de Natal com a família ou amigos pode alimentar o corpo e a alma ao mesmo tempo, ou uma atividade física pode ser fonte de saúde e de sustento. Mas quando o tempo, a energia ou demais recursos são limitados, precisamos escolher quais necessidades vão ganhar prioridade, e quais, apesar de serem importantes, vão ficar para depois. Nesse momento se faz necessário definir: o que é essencial?

Segundo o dicionário, essencial é aquilo que constitui o mais básico ou o mais importante em algo, o que é fundamental. Uma palavra que nos remete à ideia de alicerce, sem o qual não poderíamos nos sustentar. Abraham Maslow, psicólogo americano, organizou as necessidades humanas em uma pirâmide, em que o essencial seria representado pela base mais ampla – necessidades ligadas à sobrevivência física. No segundo nível, viriam as necessidades de segurança; em seguida, as necessidades sociais e de afeto. O quarto nível seriam as necessidades de estima e reconhecimento, e no topo da pirâmide estariam as necessidades ligadas à auto realização. Segundo Maslow, somente ao satisfazer de modo suficiente um nível a partir da base seriámos capazes de buscar a satisfação do nível seguinte.

Situações de crise ou emergência costumam causar reviravoltas na nossa percepção sobre o que é essencial. Se antes as necessidades de auto realização eram consideradas mais importantes, nossos olhos podem se voltar para as necessidades de segurança e estabilidade. Em caso de desastres, a pirâmide de Maslow aparece de forma muito clara para os atingidos, muitas vezes passando de uma etapa à outra em instante. Primeiro, a garantia de se sentir vivo, de constatar a integridade física e receber cuidados médicos quando necessário. Em seguida, a necessidade de abrigo, proteção e segurança para nós mesmos e, imediatamente, para aqueles que amamos. Quando essas necessidades já estão sendo cobertas, passamos a olhar para nosso papel em relação à comunidade, e uma vez que conseguimos reencontrar ou reconstruir o lugar em que nos reconhecemos naquele grupo, podemos dirigir o foco para a busca de sentido para aquela experiência, para atender a necessidade de auto realização.

A pandemia nos trouxe essa reviravolta tanto a nível pessoal quanto coletivo. A expressão “serviços essenciais” ganhou espaço no debate público, uma vez que várias necessidades importantes e urgentes entraram em conflito – saúde pública, economia, liberdade e solidariedade. Para efeitos legais, serviços essenciais seriam aqueles destinados a “impedir a interrupção de atividades e do fornecimento de insumos e materiais necessários à sobrevivência, saúde, abastecimento e segurança da população.” A ideia de limitar a abertura de serviços em situações de emergência não significa definir o que é ou não importante, mas sim retomar o cuidado e a garantia de satisfação das necessidades básicas, para que os seguintes níveis de necessidades possam ser buscados assim que as básicas estiverem satisfeitas para a comunidade de modo geral.

Tanto no âmbito individual quanto no coletivo, a tentativa de incluir todas as necessidades na categoria “essencial” fala da intenção de não deixar nenhuma necessidade para trás, reconhecendo a variedade e a riqueza da experiência humana, mas traz um problema prático de grandes proporções. O caminho, talvez, esteja não na ampliação da lista do que é essencial, e sim na busca de novos meios para incluir aquilo que é importante em nossas vidas, sem sacrificar o que é fundamental. Novas perguntas surgem neste contexto: como posso ajudar a garantir o essencial para o maior número de pessoas? E de que outras formas o que é importante para mim pode se fazer presente neste momento crítico? Abrir o olhar para novas possibilidades e para o cuidado comunitário permite não só encontrar saídas mais rápidas para esta crise, mas também amplia nosso repertório de soluções para toda a vida – o que é essencial para o nosso crescimento pessoal e coletivo. Fica o convite para fazermos deste um momento de transformação.

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Lilian Garate Castagnet
lilian@abrangente.psc.br

Psicoterapeuta bilíngue Espanhol-Português. Há 22 anos, atua nas áreas clinica e hospitalar, com experiência de intervenção em situações de crise, traumas e emergências. Terapeuta do programa “Sem Medo de Falar Novos Idiomas”.

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