A dor embaixo dos trilhos

A dor embaixo dos trilhos

Nesta narrativa tocante e sensível Lucas Negrisoli, estudante de jornalismo, nos faz continuar as reflexões sobre o suicídio e sua prevenção.

 

Senti o trem frear três vezes na estação Minas Shopping, no metrô de Belo Horizonte. Ouvi algo parecido com uma buzina, quase um Clarín. Dois homens fardados, que depois descobri que eram seguranças da CBTU, corriam na plataforma – eu os vi pela janela do trem. Dez minutos parado, as vozes especulavam. “Deve ser assalto, será?”, disse uma moça próxima a mim. “Vi uns meninos correndo para o trilho”, afirmou outra pessoa. As portas se abriram e descobri-me cúmplice: uma moça se jogou na frente do metrô. Os bombeiros já estavam na linha tentando fazer alguma coisa. “Acho que ela ainda está viva”, “meu deus! Que coisa horrível” e risadas nervosas e choro se ouvia na estação. Eu conseguia ver metade do corpo dela para fora do vagão e a outra metade próxima a onde eu estava sentado minutos atrás. Senti um peso azedo, fabulei histórias sobre ela, ouvi o silêncio nos murmúrios de todo o povo. No fim das contas, senti-me triste como há muito tempo não me sentia. Vi-me como parte daquela história, afinal foi o meu trem que passou por ela. Nada disso fazia sentido, mas tampouco faz a vida.

Hoje, fiquei sabendo de um menino e uma menina que suicidaram. Ela pulou de um dos arcos do viaduto de Santa Tereza. Dessa vez, não fui eu o cúmplice, mas a cidade. O chão de histórias da Avenida Assis Chateaubriand, a fachada dos prédios. Na semana passada, uma estilista famosa e um chef de cozinha. Meses atrás um músico, antes dele vários outros. Já tive que dar a mão e o abraço em amigos e amigas que estiveram nessa linha horrível. Eu mesmo dela já passei perto.

É tudo muito triste, muito complicado, muito dolorido. Machuca-me, com sinceridade. Sinto a impotência crescendo em cada vez que escuto uma história dessas. Pode ser besteira ou tristeza, mas a sensação que eu tenho é que o cotidiano, que sempre foi de chumbo, está ganhando peso. Talvez sejam as atenções voltadas para esse problema. Por mais que muitas vezes seja feito de forma irresponsável – e até burra, vale dizer – o debate sobre saúde mental e depressão está mais em voga. Quem sabe esse peso todo que sinto antes não estava debaixo do tapete? Não tenho respostas para nada. Só sei que tudo isso dói muito.

Parece bobagem e papo de autoajuda – e muitas vezes é mesmo – mas é importante tentar cuidar das pessoas. Pelo menos daquelas que te tocam, sabe? Procurar saber, conversar. O cotidiano, como sempre digo, tem uma força muito maior do que as pessoas pensam.

Se você está passando por um momento difícil – daqueles sem saída e luz – procura alguém, de verdade. Terapia não é coisa de gente fraca. Tem gente demais que pode te ajudar, mesmo. Se quiser conversar ou qualquer coisa, tô de coração aberto. Mas, nem tudo se resolve assim. Remédio não é coisa de gente doida e tratamento é necessário às vezes.

Se cuidem, por favor.

Lucas Negrisoli é estudante de Jornalismo na UFMG, Músico e estagia no Jornal Estado de Minas.

Comentários do Facebook

mm
Equipe Abrangente
terapiabreve@abrangente.psc.br

Instituto Mineiro de Terapia Breve. Há mais de 20 anos ampliando ações e formando inúmeros terapeutas breves em todo o Brasil.

Nenhum comentário

Deixe um Comentário