16 jun Arriscamos pouco no amor
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Que encomia é essa?
Pobre (de) amor
Na fila co (m) medida ele espera alcançar
Sua rima, sua meta, seu número exato
Sua economia , no entanto, o priva do tanto
Que não conhece, que teme
Do que não se pendura em conta alguma
No campo dos afetos, nosso desejo maior é fazer laço, é gostar de alguém, ser gostado por alguém e viver o prazer que isso pode nos dar, certo? Costuma ser. Mas a cara que a relação terá, o quanto iremos apostar nela, se iremos sabotá-la, são coisas das quais não tomamos conhecimento previamente, mas que na caminhada, vão pouco a pouco aparecendo e nos cobrando alguma atenção.
Não é difícil entender porque um dos grandes paradoxos atuais nas relações amorosas diz respeito a conciliar o que cada um busca pessoalmente e o desejo de estar junto. Primeiro que para caminhar na direção do outro é preciso que o desejo por ele venha na frente, mas desejo este que é nosso, que fique claro. Como diz Simmel em Filosofia do Amor, “o amor vem de nós e caminha para o outro”. Pois bem, se o que nos liga ao outro começa em nós, seria, então, natural que mudanças constantemente se operassem quanto a esse desejo tornando-o flutuante, mutável, errático, dada a própria transitoriedade das nossas emoções, questionamentos e escolhas que fazemos ao longo da vida.
Mas, e o parceiro amoroso nessa história, os desejos dele, suas expectativas? E a construção da relação que exige conciliar vontades e buscar um caminho em comum? Bom, parece que um tanto do desejo individual se curva à relação e a quer enormemente, mas um tanto dele resiste, resiste e resiste… Disso, naturalmente, surgem dilemas comuns a tanta gente. Observo que esses conflitos aparecem de diferentes jeitos nos discursos, nas queixas, nas formas cifradas tão próprias do desejo.
Em uma conversa recente, um amigo, sujeito inteligente e maduro, que namora há poucos anos e vê o seu relacionamento declinar, me conta da sua dúvida entre arriscar novos passos com a namorada com quem tem uma boa parceria ou assumir outras formas de desejo fora da relação. O papo todo me fez pensar em algumas situações corriqueiras que convocam o tal desejo, aquilo que fica no meio, bagunçando as coisas todas.
A primeira delas foi o que me permitir chamar de “economia de intimidade”. Bem, é certo que existe uma dificuldade muito grande das pessoas de se abrirem para a intimidade. Falo aqui de uma intimidade em que cabe revelar as fragilidades, rasgar o verbo, compartilhar um tesão e confidenciar feitos com menos censura, o que, certamente, acaba sendo um convite para sair da nossa zona de conforto por exigir um olhar diferenciado, uma dosagem extra de afeto, de corpo presente, e comprovações da especialidade do vínculo. Intimidade esta que tem mais a ver com intensidade do que, necessariamente, durabilidade, é bom frisar.
Parece que há um receio de sustentar um amor que provoque presença, envolvimento e que ameace a liberdade ou nos coloque frente ao risco sempre real de perder quem se quer, ou ainda, de aceitar que é possível que alguém goste da gente (vejam só!) e esteja realmente a fim de nos “topar”. Daí que, não arriscar-se em uma relação, parece a saída mais aceitável, honesta com todo mundo. Diante do aperto que causa a presença do outro a quem supostamente devemo-nos “doar”, o desejo torna-se a sua ausência sentida como uma vontade maior de liberdade, de estar só para investir em outros interesses, ou mesmo em outras pessoas que caibam, de preferência, na exata medida do nosso desejo (olha a impossibilidade disso). Desejo, no entanto, que acaba não encontrando eco em lugar algum fora de nós, débil e sem força para alcançar o outro.
Certamente, os limites impostos no envolvimento com o outro aparecem de muitos modos e há aqueles que assumem estabelece-los por uma convicção mais clara daquilo que querem, mas falo aqui de uma parcela para a qual o amor é um desejo reconhecido e persistente de ir ao encontro do outro, ao mesmo tempo em que surge embarreirado, dando pistas falsas e interditando sua experiência com uma cara lavada, mais leve.
Mais do que um acerto consciente, o que parece ocorrer com estes últimos, é um arranjo de um desejo que não se consegue encarar, para o qual se olha de soslaio e, que, sem muita saída, acaba por manifestar-se cheio de resistências. Comumente nota-se misturado a tudo isso um medo de encarar um companheiro que possa ser parasitário, que não respeite a nossa individualidade, deixando o sentimento de posse falar mais alto e inibindo a nossa auto expressão. Por outro lado, de forma mais velada, há o medo de mostrar facetas que se imagina não serem tão bem aceitas, de imperfeições, oscilações de humor, certos pudores que signifiquem destituir um ideal que se quer sustentar hoje mais do que nunca, tempo em que os aspectos negativos da existência como o limite, a diferença, o feio de cada um de nós são facilmente negados.
Quem paga são os encontros que podem se tornar superficiais, em que os espaços de cada um de tão bem delimitados tornam-se distância, criando uma intimidade funcional, contida, manca a meu ver. Desejos que não se encontram, que param no meio deixando os projetos todos no ar, como diria Caetano. O resultado parece ser uma economia de entrega, amores com ressalvas e mais sabor de frustração do qualquer coisa, por fim, uma aposta meia-boca no amor. Pobre amor…
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